Autor: Mo Yan
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2015
Páginas: 496
O livro do china Mo Yan (olha ele de novo aí como prometido) quebra vários paradigmas ao mesmo tempo: é um livro grosso, mas rápido; pertence a um laureado do Nobel, mas é extremamente fácil de ler e contém uma peça, sendo assim, necessário que você pare a sua birrinha com teatro para saber o final da obra. Apesar do nome, a obra não tem nada a ver com a do Aristófanes, então não se preocupe, porque não é necessário ser tão “culto” assim para pegar e ler.
O rolo da bagaça é o seguinte: Girino está escrevendo cartas para um professor japonês que foi lá na vilinha dele um dia, e através delas conta a história de sua tia, Wan Coração, que foi uma das maiores obstetras da China e uma das personalidades da região. Junto a isso, é contada a história de toda a família de Girino, e também da própria China pós revolução cultural com a introdução da lei de controle à natalidade. No final ele só tava enrolando o japa para conseguir escrever a peça sobre a tia.
Você percebe que Mo Yan é um homem da zuera quando todos os personagens da aldeia têm nome de partes do corpo. O nome original de Girino é Wan Perna, a já citada tia Wan Coração, fora Chen Nariz, Li Mão e vários outros personagens. Yan não tem medo de tornar seu livro extremamente local tanto com esses estranhos dogmas chineses (que eu não sei se é verdade, porém acredito que sim) tanto com expressões e ditados locais, que tornam a vida do tradutor mais difícil, contudo, apresentam o país no seu âmago como poucos escritores conseguem.
O chinês volta a repetir o estilo de diálogo com um interlocutor, nesse caso o japa, e através dessas longuíssimas cartas (são cinco partes, cada parte é uma carta e a ultima é a peça) críticas sociais disfarçadas de causos cotidianos, às vezes nem tão disfarçadas assim, como o dia em que os alunos da escola de Girino, na época chamado de Corre Corre, comem carvão, e depois ainda oferecem para o professor. Obviamente, o foco é na tia, nos desdobramentos que a lei gera em sua pessoa e na política do governo, mas não falta espaço para vários personagens se desenvolverem.
Uma das minhas preocupações com relação ao livro era justamente o final. Em minha opinião, para a peça realmente funcionar, ela deveria ao mesmo tempo complementar a obra e ter seu valor sem que alguém tivesse lido as cartas. Então Mo Yan surpreende levando a peça num tom surrealista extremamente insano, sem perder a ligação com as cartas e dando um final que não é um final, mas funciona muito bem como um final.
A capa que a Companhia fez para esse livro é uma das mais lindas da minha estante, e o acabamento da editora está como sempre de parabéns, um ótimo tijolo pronto para dar na cara dos outros por aí. Já estava esperando Sorgo Vermelho desde que li Mudança, e agora o hype está nas alturas. Que venha mais um!