AUTOR: Julio Cortázar
ANO DE PUBLICAÇÃO: 1959
ANO DA EDIÇÃO: 2010
EDITORA: Civilização Brasileira
PÁGINAS: 192
Voltamos aqui para falar do mestre argentino no que ele sabia fazer de melhor: contos surreais. E Armas traz para nós apenas cinco contos (eu diria 4 contos e uma novela na verdade), mas com um tamanho bem considerável para ocupar as quase 200 páginas do livro. Vamos falar conto por conto porque né, são poucos então dá de boa.
O primeiro conto, “Cartas de Mamãe”, narra a história de um casal em Paris (aliás, todos os contos se passam lá) que trocam cartas com a mãe do marido eventualmente, e, numa das últimas cartas, a velha começa a falar do irmão desse cara como se ele estivesse vivo, e o cara tem medo de mostrar essa carta para a mulher porque ela teve um caso com o dito cujo. Um conto bem divertido, sobre tramóias familiares e com o pé no fantástico/surreal, que algumas pessoas dizem fazer com que o final fique aberto, mas que eu vejo de um jeito diferente, talvez por já estar programado para acreditar no fantástico sempre.
“Os Bons Serviços” já é um conto mais interessante, trata-se de uma empregada doméstica que faz qualquer bico que aparece, e depois de uma noite cuidando de cachorros de gente rica é chamada pelo mesmo casal para um serviço peculiar e bizarro. O melhor dessa história é evocar a aura do realismo francês do sec. XIX, mostrando a bizarrice que é a alta sociedade francesa, e até onde eles vão para conseguir suas excentricidades e manter as boas aparências, aproveitando-se de gente mais necessitada e inocente se preciso.
“Babas do Diabo” mantém essa escalada de qualidade do livro, tratando-se de um fotógrafo que no meio de um estranho ato em público de uma mulher mais velha e um rapaz, tira uma foto dos dois, tomando a atenção deles e dando a oportunidade do garoto escapar. Depois o fotógrafo resolve imprimir a foto e a coloca em sua parede, então começa a ver coisas que não havia visto antes e passa a imaginar o que viria depois daquela cena. O conto já começa de um jeito especial por conta da experimentação de Cortázar com a linguagem, tentando imaginar formas de narrar o acontecido da melhor forma possível, constantemente trocando o tempo verbal e a visão do narrador de primeira para terceira pessoa, e evocando imagens esquisitas no meio do mesmo. Fora ser o conto mais fantástico do livro.
Porém ainda faltava aquele gostinho especial, aquele que separa as obras-primas dos bons livros, e aí vem “O Perseguidor”, não só o melhor conto do livro, como o melhor que eu já li. O perseguidor trata-se basicamente da história de um grande saxofonista de jazz e de um crítico de música admirador do trabalho do cara, que odeia vê-lo jogar o talento e a vida dele fora por causa das drogas. Eu tenho ao mesmo tempo vontade de não falar mais nada e de fazer um post a parte só sobre essa parte. Cortázar mostra a visão limitada e medrosa do crítico (que narra o conto) sobre o mundo comparada com a visão do saxofonista em busca de algo mais real que o que temos agora, porque para ele tudo parece falso demais e sai atrás de algo que dê suporte para essa realidade tão quebrada e distorcida. O crítico o entende, e sabe que o saxofonista pode até ter razão, mas tem medo de embarcar nessa busca pois acha que ficaria louco também, então se limita a tentar entender a arte do saxofonista, este aliás que não liga para o que está fazendo (ligar não é bem a palavra, só não é a prioridade dele) e essa perseguição em fila de realidade>saxofonista>crítico gera essa reflexão sobre objetivos, o que nós entendemos como real e muito jazz. Uma tremenda obra-prima.
Depois do clímax, o que sobra é o conto que dá titulo ao livro. “As Armas Secretas” traz um casal adolescente que está começando um relacionamento, mas problemas do passado ressurgem para assombrá-lo. Mais um conto sobre relacionamento humano, bem na pegada do primeiro, e sinceramente ofuscado pelo anterior, mas que não deixa de ser uma boa história também.
O projeto gráfico da Civilização Brasileira para o Cortázar está ótimo, essa é uma das capas mais lindas da coleção sem sombra de dúvida, porém não combina tanto com as outras, o que no geral não importa porque você só fica vendo a lombada mesmo. “O Perseguidor” também tem uma versão solo lançada pela Cosac, que é capa dura e tem ilustrações do José Muñoz, grande quadrinista argentino, mas, além de obviamente perder em conteúdo, é mais cara (por isso faliu) que o livro da CB. Fica a grande dica desse autor argentino de primeira.