
Autor: Lourenço Mutarelli
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2009
Páginas: 120
Miguel e os Demônios tem sua origem num fato interessante: Lourenço foi procurado por produtores de cinema que encomendaram um roteiro dele pedindo que o plot fosse o de um policial tendo relações com uma travesti. Acontece que o projeto não foi para frente, como tudo que o Mutarelli faz por encomenda, provavelmente porque o pessoal viu que a historia é pesada demais e pouco comercial (o que é engraçado, pois esse é o resumo da carreira do homem). Com isso, ficou apenas o livro impresso pela companhia das letras, o que me leva a uma pergunta interessante: por que roteiros de cinema não têm impressão em livros? Adoraria ver os clássicos como O Sétimo Selo e Três Homens em Conflito no seu estado bruto e não aquelas novelizações idiotas. Fora que todo roteiro do Tarantino clama por uma publicação.
Mas vamos falar de Miguel. A bagaça começa com Miguel tentando sair da merda depois que seu casamento terminou e voltar a morar com seu pai. Então ele passa a namorar uma manicure e fazer alguns servicinhos extras (e ilegais) para conseguir uma grana. Até o dia em que um caso o leva à tal travesti com quem ele passa a se relacionar, que por acaso ele já tinha visto junto com o seu chefe. Fale-me quantas pessoas que você conhece iriam assistir a um filme desses?
O lance de roteiro de cinema não era à toa, pois o livro claramente está escrito para se fazer um filme, com várias cenas em que estão escritos “zoom naquilo” ou “a câmera se afasta” ou até mesmo termos de cinema como “fade”, o que combinou totalmente com seu estilo de escrita rápido e incisivo, pontuando tudo que é estritamente necessário para se entender. Diferente de O Cheiro do Ralo, porém, é o fato de não estarmos dentro da cabeça principal, então ao invés do fluxo de consciência que tínhamos com o antigo protagonista aqui temos mais personagens peculiares e diálogos extremamente bem feitos e com verossimilhança fortíssima ao mundo real.
Se a trama já parece esquisita só na sinopse, fique sabendo que o livro tem muito mais esperando por você. Mutarelli chafurda na escatologia e no sadismo (adoro essa frase) como ninguém. Levantando ótimos questionamentos sobre a moralidade das pessoas e cutucando todos com suas cenas e pensamentos, ele cria um mundo que poderia ser tanto realismo mágico como realismo psicológico, depende apenas do que você quer acreditar. Outro ponto importante é o fato de Lourenço deixar coisas em aberto, e não são poucas. Ele afirmou em uma de suas entrevistas que faz isso porque a vida é assim e as pessoas não vão ter respostas para tudo, e ele não poderia estar mais certo.
O livrinho está lindo como sempre, a capa é do próprio Mutarelli, sempre arrasando, e mantendo o mesmo padrão de capa dos seus outros livros, assim como o corte moleskine de borda e o letreiramento com a cor diferente. O livro é curtíssimo e dá para ler em um dia só, e como a trama vai ficando cada vez mais instigante é impossível parar de ler essa, que é mais uma obra-prima do Mutarelli.