
Autor: Mo Yan
Editora: Cosac Naify
Ano: 2013
Páginas: 128
Estou numa vibe maluca de ler todos os autores que já ganharam o Nobel de literatura (e ainda vou fazer um post sobre o prêmio qualquer dia desses), tarefa impossível para um brasileiro pelo simples fato de que grande parte não tem seus livros em catálogo por aqui, mas eu ainda tenho uns 50 para ler então não estou esquentando a cabeça por isso. Comecei justamente por um dos mais inusitados e controversos ganhadores, o chinês Mo Yan (nome artístico que significa Não Fale em chinês), dono do caneco de 2012.
A polêmica se dá porque Mo Yan é um daqueles autores que não critica com tanta veemência o governo ditatorial chinês quanto seus conterrâneos parceiros de profissão. O auge da discussão vem do fato do escritor não ter assinado a carta aberta pedindo a liberação de Liu Xiaobo, ganhador do Nobel da paz de 2010 e preso pelo governo desde 2008. Eu sou uma das pessoas que não separa muito o autor da sua obra, antes de tudo procuro entender o porquê do autor pensar do jeito que pensa, e nada melhor que um romance autoficcional para isso.
Mudança foi um texto encomendado por Tariq Ali para uma coleção chamada “What Was Communism” e como ele deu liberdade para Mo Yan fazer do jeito que ele quisesse, o china resolveu escrever um pouco sobre a sua própria vida durante as décadas até chegar ao grande escritor que virou. O engraçado é que, se não tivesse a introdução explicando sobre o que é o texto, talvez passasse despercebido para o leitor que a história sobre seus conhecidos e os caminhões Gaz 51 mostram muito as mudanças que aconteceram na China decorrendo da morte de Mao Tse Tung e a abertura do país para o capitalismo.
O livro mostra muito da visão que os camponeses chineses tinham naquela época, e com vários flashbacks e flashfowards Mo Yan vai nos mostrando como era a situação de sua vila e o pensamento simplório que todos daquela região e até ele mesmo tinham, também conta como as fabricas e lojas foram tomando toda a china rapidamente, a importância e o fascínio que o caminhão soviético Gaz 51 exercia sobre todos e de repente era apenas um veículo velho e muito mais, sempre intercalando com momentos engraçados e nunca escancarando o que quer dizer. Através disso, eu percebo que o governo e o exército ajudaram muito o escritor a crescer na vida. E, apesar de não concordar, sinto que Mo Yan não detona o governo por sentir que seria hipócrita em fazer isso, contudo, não deixa de fazer suas críticas falando sobre a corrupção que existe no país e o alto nepotismo que ocorre.
Há vários motivos para começar a ler Mo Yan por Mudança: o livro é curtinho e dá pra ler em um dia (outro post que eu pretendo fazer, vão marcando nas suas agendas aí); claramente não é a melhor coisa que o Nobel de 2012 escreveu, afinal é um texto curto e feito sob encomenda, apesar de ser uma leitura muito boa mesmo assim, e eu particularmente acho chato começar pelo que o autor tem de melhor, porque sempre fico esperando algo mais e ele acaba não vindo; é barato, e assim já dá pra saber se você vai gostar do jeito que ele escreve; e principalmente, é um livro da Cosac Naify, então se não comprar agora vai esgotar e você vai ficar ai chupando o dedo, fora que a Cosac é (era) garantia de qualidade na agregação ao camarote, mesmo o livro sendo menor que o normal, quase um pocket.
A escrita, aliás, é, para mim, o ponto alto do livro. Mo Yan escreve como se estivesse contando a historia para você, como se fosse o seu vô, do jeito mais simples e acessível possível, mas nunca perdendo a objetividade e sempre fazendo ótimas metáforas, usando muito das expressões conterrâneas hilárias e, numa das melhores passagens do livro, se desculpando por uma prolixidade cometida no texto, afirmando que as lembranças embaralhadas estão confundindo sua cabeça.
Esse livro é um ótimo cartão de entrada ao chinês, me deixa com uma boa expectativa para o próximo romance que irei ler dele, o já lançado As Rãs, e esperando ansiosamente sua dita obra-prima, Sorgo Vermelho. Ótimo para agregar mais um pouco de conhecimento sobre um país tão distante de nós e pagar de esperto por aí porque você lê escritores do Nobel enquanto a ralé tá parada no João Verde.