
Autor: Lourenço Mutarelli
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2011
Páginas: 184
Quadrinista que migrou para os livros, Mutarelli já em seu primeiro livro mostrou com o Cheiro Do Ralo que a visão vinda de outra área da arte pode fazer coisas realmente originais. No meio das HQs ele já é considerado um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempo, tendo uma de suas graphic novels escolhidas para estar no livro 1001 Comics You Must Read Before You Die (que ainda não saiu no Brasil), onde apenas cinco obras brasileiras entraram.
Vamos à sinopse: nosso protagonista sem nome é um comprador e revendedor das tralhas que as pessoas oferecem a ele, e nesse lugar onde ele trabalha, o ralo do banheirinho quebrou, fazendo-o ficar sempre constrangido e dizer que o cheiro vem do ralo e não dele. Num belo dia, o personagem fica fascinado e obcecado na bunda da garçonete do barzinho que ele vai e fica fazendo planos para comprá-la, enquanto o cheiro do ralo mexe cada vez mais com a sua cabeça.
Quando você abrir a edição lindíssima da Companhia das Letras (CORTE MOLESKINI MLK PQ SÓ OS MESTRES TEM ESSE DIREITO) em uma página aleatória, vai achar que comprou uma obra de poesia e ninguém te avisou. É impressionante pensar que logo no primeiro livro Mutarelli consegue fazer um estilo de escrita muito autêntico e até mesmo inclassificável. Algo como uma mistura de teatro com fluxo de consciência. Eu sei, parece totalmente impossível fazer uma coisa dessas, mas ao mesmo tempo em que a narrativa é rápida e pouco descritiva (nem nome os personagens tem), tudo sempre é pontuado com o que está se passando na mente do nosso perturbado herói. Junto com a escolha certeira de palavras, o texto parece poesia pura. Um dos melhores escritores da atualidade sem sombra de dúvidas.
Em contrapartida a beleza da forma escrita, o conteúdo não podia ser mais sujo (trocadalho do carilho). Lourenço cria um personagem extremamente complexo e que te faz sentir pena e repulsa ao mesmo tempo, o protagonista chega a várias teorias da conspiração malucas e divertidas, acha que pode resolver tudo com dinheiro e todos que passam pela sua vida o fazem mudar, para melhor ou para pior. Tudo isso temperado com o cheiro de merda que sai do banheirinho, a procura intensa pela figura do pai e varias interações entre as pessoas que chegam para vender coisas e geram situações esquisitas, perturbadoras ou engraçadíssimas.
Por ser apenas o primeiro livro, espero encontrar nos próximos um nível ainda mais alto na refinada narrativa e muito mais indicações de livros que o mestre faz através de seus personagens, escritores que “escrevem no ritmo do seu pensamento”. O acabamento da Companhia das Letras é um dos melhores que eu já vi para um livro da editora, a capa é do próprio Lourenço e eu não sei por que você ainda está lendo isso aqui e não algo que esse cara escreveu, toma vergonha na cara moleque.