AUTOR: Thomas Mann
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: 1924
ANO DA EDIÇÃO: 2016
EDITORA: Companhia das Letras
PÁGINAS: 848
*Exemplar cedido pela editora.
Thomas Mann considerava Montanha seu melhor livro, mesmo tendo recebido o prêmio Nobel por outro, Os Buddenbrook. O motivo disso é um mistério para mim, que não gostei desse livro, mesmo com todo mundo na internet pirando horrores na história do “herói” Hans Castorp e seu asilo chique. Vamos chegar às impressões, mas primeiro deixa eu contar a sinopse.
Hans Castorp tem um tempinho de férias até começar o estágio como engenheiro naval e decide ir visitar seu primo Joaquim numa montanha dos alpes suíços, onde ele está há seis meses se recuperando de uma tuberculose em um lugar com médicos propícios para tal. Castorp passa um tempo com o primo até o momento que descobre também ter tuberculose. Assim, passa esses anos do pré primeira guerra mundial nesse asilo onde todos os tipos de pessoas da Europa estão, todos vivendo nessa estranha bolha do tempo que trata os assuntos do asilo como isolados do mundo “da Planície”.
Agora vamos às percepções: o meu problema principal com o livro é que ele é longo demais, e quando eu digo demais é porque não precisava de metade das páginas que o romance tem. Capítulos inteiros são inúteis na história. As primeiras 150 páginas são sobre o primeiro dia de Castorp no asilo, e é torturante passar por isso, porque é só sobre a rotina que ele vai ter lá dentro. Nada além de saber quantas vezes ele come e deita por dia. Só vai passar a ter algo de relevante na história lá para a página 300, quando Castorp se incomoda como a forma que a morte é tratada lá em cima. Aliás, se você viu o vídeo da Tati Feltrin sobre A Montanha Mágica, saiba que ela conta fatos muito espaçados do livro, basicamente fala só do que tem certa relevância (e nem todos os fatos do que ela conta no vídeo tem), e a coisa está tão espaçada na trama, que ela, para ter assunto, conta situações que acontecem lá para a página 800, e que, se tiradas, não fariam a menor diferença (sim, a história da médium).
É claro que a quantidade absurda de partes inúteis não teria problema se a escrita fosse ótima, afinal meio que todo calhamaço se força a encher linguiça para ficar grandinho (a única exceção que eu conheço é Irmãos, do Yu Hua, e é por isso que vocês deviam ler esse puta livro). O problema é que Mann é um péssimo escritor no quesito artístico. Sua linguagem é essencialmente acadêmica, o que faz ainda mais sentido quando você pensa que ele é um dos principais autores do gênero romance-ensaio, que é o caso aliás. Mas na área artística, esse tipo de escrita resulta numa linguagem que eu chamo de escrita tofu, sem gosto, sem cheiro, sem graça. Além disso, a encheção de linguiça caía nessa seção também, com descrições enormes de qualquer coisa que entrasse em cena, adjetivação de quase tudo, e, principalmente, o pior narrador que eu já tive o desprazer de ler na minha vida. Primeiro porque não era ele, e sim eles, narrava-se como se fosse praticamente um coro grego. Segundo que eles tinham que dar pitaco em tudo que acontecia na história, uma versão mil vezes piorada das transgressões de um narrador do Saramago resultando na página final, que me deu uma puta vergonha alheia quando eu li. Para completar eu ainda por cima odiei o Castorp, um mimado rico que se sentia superior a quase todo mundo no asilo e era chato para caralho quando abria a boca, mas isso eu não considero como problema, é só característica de um personagem que está lá para ser gostado ou não.
Porém nem tudo é tão ruim assim. O romance ainda tem coisas boas, que durante a leitura me faziam acreditar que o saldo ia virar e eu ia poder falar bem do livro no final, mas as coisas que me incomodaram falaram mais alto. O primeiro ponto positivo são vários dos personagens secundários, principalmente Settembrini, o italiano poeta, humanista, educador e burguês; seu rival, Naptha, um judeu convertido ao catolicismo, professor de latim e medievalista, além de comunista ferrenho; Madame Chauchat, uma russa gatíssima que vira o interesse amoroso de Castorp, mas uma mulher facilmente classificável como “a frente do seu tempo”, que tinha as opiniões mais sensatas no meio desse povo; Behrens, o médico principal do asilo, que também é pintor e tem um jeitão bem esquisito; entre outros. As interações desses personagens entre si e com Hans Castorp é o que gera as melhores partes do romance, principalmente as brigas filosóficas entre o italiano (que eu sempre imaginava como o Pirandello) e o ex-judeu (sempre imaginado como o Bruno Schulz), em que ambos discutem para ter a atenção do jovem alemão. O conhecimento jogado dentro do livro, mesmo que de uma forma meio mal feita, impressiona pela quantidade e variedade de assuntos que Thomas Mann domina, e provavelmente foi isso que o tornou um clássico afinal, o livro tem aquela vontade de resumir a época em que foi lançado, mesmo que os europeus nunca tenham se tocado que essa tarefa sempre foi impossível.
O que mais salva no livro é o projeto gráfico da Companhia das Letras, que está com uma padronização linda e imponente (é o maior livro da minha estante). A capa dura também é meio emborrachada, que fica um pouco ruim depois que você está segurando o livro por horas e sua mão dá uma suadinha, mas é melhor de pegar e incomoda menos, fora essas letras gigantescas com esse padrão contrastante da capa super combinando, as cores são boas e essa montanha representada apenas na sombra está linda também. Se você não gostou de eu ter falado mal de um clássico e está afim de me xingar, recomendo que você dê uma lida nesse artigo aqui. Paz.