AUTORA: Claire North
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: 2014
ANO DE LANÇAMENTO: 2017
EDITORA: Bertrand Brasil
PÁGINAS: 448
*Exemplar cedido pela editora.
A história fala de seres chamados Ouroboranos, pessoas que, quando morrem, voltam à mesma vida, mesmo dia de nascimento, mesmos pais, lembrando tudo da vida passada. Harry descobre que é um desses seres, e, após descobrir que algumas pessoas normais sabem da existência desse tipo de gente, ele descobre também que os Ouroboranos se reúnem em diversos lugares do planeta em clubes, chamados Clube Cronos, a fim de tornar confortável a vida de todos os seus companheiros, para que não fiquem entediados com a infância (que não acrescenta nada) e para ajudarem uns aos outros a viverem a vida mais imediatamente do que alguém normal conseguiria. Lá para a décima primeira vida (isso não é spoiler, na verdade é o começo do livro) uma Ouroborana de 6 anos vai ao leito de Harry, já com 80 e tantos, e avisa que o mundo está acabando. O trabalho de Harry vai ser repassar essa mensagem para os Ouroboranos mais antigos e tentar descobrir o que está acontecendo para que o mundo esteja acabando.
Ok, eu queria começar teorizando um pouco sobre como esse lance (totalmente fantástico e nem um pouco ficção científica) de voltar à vida funciona: tecnicamente ele volta em outra linha do tempo, que sofre com as mudanças dos Ouroborianos que estiveram naquela linha do tempo. A autora decidiu não tornar as coisas mais complicadas e faz com que todas as consciências da linha A vão para a linha B, e assim que elas morrem vão todas para a linha C e assim por diante. Isso cria um tipo de multiverso muito coeso, uma espécie de teoria das cordas “hereditárias”, onde elas funcionam como uma escada para os Ouroborianos irem descendo um passo de cada vez, todos juntos, de um universo para o outro. A complexidade da linha de universo de cada Ouroboriano ser pessoal seria mais plausível, porem muito mais complexa de manejar, e a história provavelmente seria outra. Toda a questão de ser Ouroboriano também traz algumas reflexões por si só: não se tem medo da morte, por motivos óbvios (existe um jeito de se matar um Ouroboriano, mas isso eu deixo para vocês descobrirem no livro); a questão racial, afinal a chance de você desenvolver certo tipo de preconceito ou distanciamento com quem vai esquecer tudo na sua próxima vida é bem alta (chegando a níveis extremos na história) e a vontade de brincar de Deus pela aparente falta de consequências, aliás, o principal mote desse livro.
Claire North trabalha o livro de forma bem diferente do que se espera: a primeira metade dele é focado apenas em contar as experiências do senhor Harry August, que aproveita a nova vida para trocar de área de conhecimento, ajudado pelo fato de ele ser um tipo especial de Ouroboriano, que lembra tudo que aconteceu em todas as vidas nos mínimos detalhes, e isso cobra da autora um grande conhecimento sobre varias coisas, o que ela tira de letra durante o romance. Você sente que a mulher estava muito preparada tanto para falar de história quanto de química, e o seu personagem incorpora isso maravilhosamente bem. A decisão de abrir o livro com um impacto tão forte também ajuda o leitor menos paciente a saber que a história não vai ser apenas Harry August vivendo por aí, e que chegaremos a algum conflito sério em algum momento. Eu sinto essa construção como sendo importante para o livro em si e, apesar de alguns terem falado que o livro é lento por conta disso, eu considero essa a melhor parte e a que mais me surpreendeu.
O conflito principal também é legal de acompanhar, principalmente porque Claire não recai em nenhuma dessas questões banais sobre armas e bem e mal, ao invés disso, ela cria bons personagens com razões plausíveis para fazerem o que estão fazendo e usando a cabeça muito mais que a força. A previsibilidade, comum nas jornadas de herói, sempre tira um pouco do meu tesão em ler vorazmente a obra, porém, para um livro de 450 páginas, essa foi uma leitura bem rápida. Claire também não santifica ninguém na obra, e todas as ações mais agressivas são BEM agressivas, desde torturas extremas a efeitos colaterais de explosões radioativas, tornando essa ficção científica bem mais madura e adulta do que aqueles continhos Asimovianos.
De resto, é um livro que valeu a pena a leitura. Conta com um projeto gráfico ótimo da Bertrand Brasil, onde a pagina é grande mas a letra também, e tudo da melhor qualidade: papel, capa, fonte... A capa é linda, um túnel de páginas representando as histórias de cada vida de Harry August, com fotos de pessoas e relógios. Além disso, traz o estranho enigma do por que Catherine Webb usou um pseudônimo para essa publicação, já que o nome Claire North não está dentro do livro, afinal ela não é nenhuma autora muito conhecida para poder “começar do zero” e ela já tinha um pseudônimo antes, o que talvez indique que ela faça um sistema estilo Fernando Pessoa, com vários “eus” conversando entre si, ou seja, só uma forma chique de separar os gêneros que ela escreve. Enfim, fica o mistério para vocês, e uma recomendação diferente do que eu costumo indicar por aqui.