AUTOR: Herman Melville
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: 1853
ANO DA EDIÇÃO: 2017
EDITORA: José Olympio
PÁGINAS: 96
*Exemplar cedido pela editora.
Vamos começar pelo autor: Herman Melville, para quem não ligou o nome à obra, é nada mais nada menos que o autor de Moby Dick, provavelmente o maior livro estadunidense de todos os tempos. Melville era um cara bem louco. Jornalista e escritor, passou a vida por aí viajando de navio e aproveitou para escrever tanto sobre os lugares que visitou quanto sobre os marinheiros em si. E, por esse motivo, ele foi considerado um escritor menor (todo mundo que escrevia sobre aventuras no mar era considerado um escritor menor, isso inclui também gente como Joseph Conrad) até o povo dos anos 30/40 se ligar que Moby Dick era um livro muito louco.
Agora a sinopse do conto/novela em questão: um advogado narra a história, querendo falar sobre o mais bizarro dos empregados que ele já teve, um jovem calado que geralmente se recusava a fazer quase tudo que lhe pediam, mas realizava seu trabalho de escrivão com grande competência reescrevendo páginas e mais páginas por dia com aparente perfeição. Um dia, porém, ele para de fazer isso também, e passamos a observar os problemas que um ser humano pode causar dizendo apenas uma simples frase: Preferia não fazê-lo.
A primeira coisa que chama a atenção é como Bartleby se diferencia muito das outras obras de Melville, todas realistas, quando não também jornalísticas. E aí temos essa pequena joia literária que parece antecipar muito dos grandes escritores do século XX, como Robert Walser, Franz Kafka e Beckett, embora os dois primeiros, muito provavelmente, não tenham lido essa novela, justamente porque Melville era descreditado pela academia americana. Talvez esse fato deixe tudo ainda mais curioso, porque se tem uma coisa que encaixa com o gênero fantástico é essa "influência fantasma” que Melville teve em Kafka, o que deve dar um tema muito interessante tanto de tese de pesquisa quanto de ficção (acho que O Livro Negro, do Pamuk, já falou disso na verdade).
Porém uma coisa, talvez o essencial, que a obra carrega em comum com o grande clássico Moby Dick é a obsessão que os personagens observados sofrem. Bartleby faz um esforço tremendo para não fazer nada. E esse comprometimento com a inutilidade faz vários pensadores do século XX terem as mais diferentes visões sobre o que esse Niilismo extremado representa. A princípio parece uma depressão das mais absurdas, depois se interpreta como revolta contra o sistema político e social do ocidente, e a partir daí foi gerando visões cada vez mais interessantes e malucas, como por exemplo a do falecido Ricardo Piglia, que via em Bartleby uma espécie de leitor perfeito (afinal seu trabalho é copiar coisas exigindo extrema atenção na leitura para não errar) que primeiramente é totalmente dedicado a literatura, mas depois rejeita essa arte, e sua recusa à leitura é representada pela recusa de todo o mundo ficcional criado por Melville.
O que eu gosto no livro é o seu humor, porque, apesar de Bartleby ser um cara bem melancólico, ele gera umas situações bem engraçadas, e os outros personagens, os dois escrivãos que já trabalhavam para o advogado e o garoto que fazia bicos enquanto tentava aprender algo, são personagens cativantes e tenho certeza que o lance de um ficar nervoso toda manhã e o outro toda tarde tem alguma relação obscura que deve ser relida e pensada, assim como o final do livro.
O projeto gráfico era um desafio na minha opinião, porque recentemente a Cosac e a Autêntica tinham lançado essa novela, assim como o livro de bolso da LP&M que está sempre aí para quem quer pagar barato, então algo tinha que se sobressair nessa edição para o povo querer essa e não a da concorrência. Eu acho essa a capa mais bonita de todas, porque ela é simples e tem uma relação direta com a história com tão poucos elementos, e isso eu valorizo muito como designer amador que sou. De resto a beleza de sempre, papel pólen sempre bom, a letra é grande, dá para ler as 90 páginas em uma hora fácil, e tem uma introdução do mestre Jorge Luis Borges, o que faz essa ser a edição que mais vale a pena.