
AUTOR: Michel Laub
ANO DE PUBLICAÇÃO: 2016
ANO DA EDIÇÃO: 2016
EDITORA: Companhia das Letras
PÁGINAS: 184
*Exemplar cedido pela editora.
Laub, alias, é considerado um dos maiores autores do Brasil contemporâneo, escreveu vários livros pela Companhia das Letras já, todos finos e tranquilos de ler até onde eu sei, sendo um autor de fácil acesso para o povo brasileiro. Esse livro tem feito uma grande histeria dentro do mundo da crítica, gente como Camila do Livros Abertos, Yuri do Livrada! e Caio do Rede de Intrigas têm reverenciado essa obra. Alguns dizem que é não só a melhor do Michel, como também um dos melhores lançamentos do ano passado, se não o melhor.
Mas isso tudo é divagação, vamos diretamente para o livro, começando pela sinopse: José Victor, um publicitário conversa e conta tudo quanto é coisa para o melhor amigo Walter através de emails. Um dia, sua ex-mulher acha um papel escondido onde ele guardava a senha do seu email, e ao ler as várias conversas sinceras de um amigo para o outro, descobre e resolve vazar que Walter tem AIDS e que José teve uma amante durante o casamento dos dois (sua atual namorada), sendo ela 20 anos mais nova que o publicitário e estagiária na empresa que ele trabalha.
A primeira coisa que eu pensei foi: quem conversa por email em pleno 2014/2015/2016? Email, para todas as pessoas que eu conheço, serve para falar de trabalho ou receber spam, não para ficar falando sobre quem você vai comer na sauna. Acho que essa inverossimilhança chama muita atenção num livro que se pretende ser super ultra atual. Há também o problema louco que é o publicitário anotar senha num pedaço de papel e esquecer-se desse papel. Esse é tão bizarro que o autor admite que só o próprio personagem faria um negócio desses. Você pode argumentar que sem isso não teria história nenhuma, porque é difícil hoje em dia a violação de privacidade acontecer por deslize da pessoa e não por hackers ou qualquer coisa do tipo, mas aí é a habilidade do autor que conta, e teria sim jeitos mais verossímeis de se resolver todos esses problemas, como por exemplo, esquecendo a senha do facebook salva no computador de mesa que o casal “teria”.
O que é uma pena, porque se não fosse esse erro, o livro estaria próximo da perfeição. O tribunal em que todos os envolvidos são postos e que José Victor constantemente tenta defender-se e explicar-se até poderia ser simbólico, mas é bem real. O trabalho de Laub em trocar constantemente a forma da escrita para se adequar as diferentes situações (o relato confessional, as conversas via whatsapp, os posts do facebook, etc) são boas e trazem a verossimilhança de volta a história. O tom da conversa entre os dois amigos também é bem real ao que acontece no mundo hoje em dia, e a decorrente falta de interpretação que essas conversas sofrem ao serem retiradas do seu lugar e expostas na internet também.
Laub manda extremamente bem na construção dos personagens, começando pelo protagonista, que fala como se fosse a pessoa mais centrada e racional da terra, perseguindo todas as hipocrisias e incongruências para se defender no seu relato pessoal, mas que é um merdeiro do caralho, uma pessoa que não vale um centavo. José também tem uma estranha paranoia com a AIDS, que te faz perguntar-se se ele vive pensando nela apenas porque seu amigo a pegou. Walter é o primeiro a sentar na frente do tribunal por ser um gay com AIDS e não lidar com essa situação em forma de pena e coitadismo, e sim com um forte humor negro e sem medo de se abrir sobre esse tema com o melhor amigo. Teca, a ex-esposa, é a mulher que parece estar sempre do lado certo, mas faz coisas que não devia e passam despercebidas ao publico da internet, como violar a privacidade do ex-marido.
O furacão de merda que acontece em cinco dias é gigantesco, e Laub explora o quão a internet pode ser punitiva hoje em dia, o tribunal parece muito mais medieval do que antigamente, onde uma pessoa era linchada até a morte, mas eram apenas alguns moradores de uma aldeia. Hoje o Brasil inteiro pode querer sua cabeça, e, apesar de você não morrer realmente, estará sempre marcado pela internet e qualquer procura pelo seu nome pode mostrar todos os seus defeitos e qualidades já expostos. Tema ótimo a ser discutido, extremamente atual e com ótimos personagens, isso Laub entrega com excelência.
O projeto gráfico da Companhia está ótimo como sempre, tudo de qualidade. Os capítulos são muitos e geralmente curtos, sendo que o capítulo só começa na página seguinte em que termina o anterior, então tem muitos espaços vazios dentro do livro, resultando naquilo que falei logo acima, mas ao mesmo tempo isso é bom porque dá a sensação de leitura rápida e você se sente bem por ter lido 180 páginas em um dia ou dois, fora não ter encarecido o livro por isso (custa 35 reais, enquanto livros com menos páginas como O Aleph custam mais de 40). Uma ótima pedida, ótimos personagens, ótima escrita, ótima reflexão, mas tem uma mancha que não o deixa 100%.