
Autor: Yukio Mishima
Editora: Rocco
Ano: 1986
Páginas: 156
Porém, esse deve ser o único defeito do livro, porque Marinheiro está entre meus três preferidos e o Yukio está no meu top três de autores também. Conheci esse sádico safado comprando um livro dele por puro impulso em uma bienal do livro e até agora não li nada dele que não seja sensacional, no mínimo. Assim como Mo Yan, comecei pela sua autoficção (que curiosamente foi apenas o segundo livro que ele escreveu) e isso ajuda muito a não achar que o Mishima é um monstro que odeia a raça humana enquanto lê Marinheiro. Você passa a ter certeza.
Vamos para a sinopse antes de entrar com os xingamentos: Noboru é um moleque muito inteligente, mas meio perturbado, que anda com um grupo de amigos igualmente inteligentes e perturbados, e um dia ele descobre que sua mãe, que está viúva há cinco anos, está tendo um caso com um marinheiro chamado Ryuji, que a principio é uma pessoa inspiradora para Noboru, pois ele também quer se tornar um marinheiro e acha que todo homem que vive no mar é um herói de verdade. Contudo, as atitudes de Ryuji vão mudando essa situação.
As crianças têm a visão de que a humanidade tomou um rumo errado na vida e foi se conformando com a sua mesquinhez e acovardamento diante do mundo e dos seus iguais e também reservam um ódio particular em relação aos pais, que na visão deles atrapalham o desenvolvimento de sua prole e projetam neles todos os seus sonhos e frustrações, gerando diálogos extremamente incríveis e inteligentes durante suas discussões.
Na filosofia deles, se libertar das amarras da sociedade e abraçar a imposição do poder e de sua superioridade sobre tudo que existe é a melhor forma de se viver, assim como o poder destruidor sendo o melhor criador, enxergar a vida através da morte e coisas assim. É por isso que Noboru admira tanto o mar, uma força incontrolável da natureza em constante movimento, que tanto abriga um ecossistema inteiro quanto pode destruir civilizações e países, e admira ainda mais os marinheiros por tentarem domar essa força e viver livre das amarras da estável terra firme.
Já Ryuji tem até um pensamento parecido: ele achava que sua glória estava em aventurar-se no mar, acreditando que tinha que escolher entre o amor e a glória. Odiava a terra e tinha poucas relações afetivas, vivia por seu navio e só tinha encontros casuais onde aportava, mas conforme a idade vai passando e ele não chega ao seu destino, a resistência do marinheiro aos poucos vai sendo quebrada e ele passa a querer uma estabilidade maior, se apaixonando cada vez mais por Fusako.
Fusako que, tadinha, estava sem fazer sexo desde a morte de seu marido, há cinco anos, e depois de conhecer Ryuji fica com medo de se apaixonar e ter que lidar com os breves encontros entre longas temporadas de trabalho no oceano, enquanto cuida de sua loja de artigos importados e cria sozinha seu filho.
Yukio não perdoa na dose de crueza e maldade na hora da escrita. A crença dos garotos de que a piedade deve ser extinta da sua mente e o fato de terem apenas 13 anos torna tudo que eles fazem mais chocante. A profundidade que Mishima da às personagens é tão grande que ele é considerado por aí como “o Dostoievski japonês”, com a diferença que enquanto o russão esfregador de gelo precisava de 34736473 páginas para isso, o japa suicida só precisa de cento e cinquenta.
Não deixe de ler O Marinheiro Que Perdeu As Graças Do Mar por causa do título, a minha edição é uma bem antiga da Rocco, mas ela já não é vendida por aí mais, a versão atual do mercado é vendido pela Assírio & Alvim. Na verdade, não deixe de ler nada do Mishima, apenas pegue qualquer coisa dele e manda ver, não há chances de você se arrepender.