
Autora: Eliane Brum
Editora: Leya
Ano: 2011
Páginas: 176
O livro em questão mostra a relação conturbadíssima de amor, ódio e dependência entre mãe e filha. Sim, seria essa a sinopse. Aí você pode pensar: ah, problema/mimimi de adolescente, deve vir uma coisa meio sessão da tarde por aí. Não. Primeiro porque estamos falando de adultas aqui e segundo porque: não, só não. O buraco é mais embaixo. A globo jamais passaria uma coisa dessas, talvez no Corujão e com cortes.
Quem me indicou, sem saber de nada, porque ele nunca sabe do que se trata as coisas já que não lê sinopses, foi o Victor. Eu li umas resenhas no próprio site de compra, vi o preço (SEIS REAIS) e pensei: por que não levar? Abri para folheá-lo sem maiores pretensões, mas logo no trechinho inicial fui pega pela escrita da autora e decidi que aquela seria minha leitura da vez. Não esperava muita coisa, mas acabei me surpreendendo.
Resenhas dirão que o livro é pesado e aborda tópicos bem delicados e sim. Apesar de ter gostado MUITO, sei que não posso chegar aqui e sair recomendando a todos, porque certamente haverá pessoas que lerão aquilo, falarão “essa mulher é louca, me recuso” e a culpa cairá em cima de quem? De moi. Não queremos isso.
É um baita drama, assuntos complicados surgem, mas a fluidez não é interrompida em nenhum momento. Alguns tiros no seu emocional serão dados, sem aviso, com a maior naturalidade do mundo, porque, por mais que algumas situações ali sejam vistas por nós como absurdas ou algo do tipo, para quem narra sai como um espirro, sabe? Quando viu, falou e você fica meio “amiga...” tentando digerir, enquanto a narrativa segue. E que assuntos são esses? Vale mini spoilers? E digo "mini spoilers" pois não acredito que essas questões sejam o ponto chave da obra, que para mim é a escrita. Porém, se você acha que não vale, vá para o próximo parágrafo ok? Sério, se não quer saber, abaixa isso. Abaixou? Vou te dar mais uma chance. Acabou a chance. A protagonista se automutila e tudo isso tem origem na relação com a mãe. Aliás, se não me engano, já começa em uma dessas cenas. Não chegam a aparecer umas quinhentas vezes, mas elas aparecem e eu acho válido avisar porque isso pode desconcertar alguém, trazer umas coisas ruins, o famoso trigger warning. Além disso, conforme a história da vida de ambas vão sendo apresentadas, a gente nota abuso psicológico e sexual. Não chega a ser narrado explicitamente o tempo todo também, mas está ali e isso sempre me abala, explícito ou não. Ah, rola incesto também. Enfim... Dados os avisos, prossigamos.
ZONA LIVRE DE MINI SPOILER.
A fonte é toda em vermelho, vermelho sangue, um diferencial. O estilo da letra ajuda a diferir quem está narrando, já que não é uma constante. A maior parte da narração é feita em primeira pessoa por Laura, a filha, como se fosse um livro/diário, mesclando presente e passado e colocando a mãe sempre como uma vaca sem coração. Simples assim. Aparecem também capítulos em terceira pessoa e de determinada parte em diante, começa a aparecer a versão contada pela mãe, Maria Lúcia, também em primeira pessoa e é nesse momento que deixamos de sentir raiva por essa personagem e começamos a vê-la mais como um ser humano, um ser humano ferrado. A relação das duas é um reflexo do que foi a vida da mãe e tem umas coisas lá que olha, só Jesus.
Eu adorei a escrita da Eliane, tem bastante metáfora e eu comia as páginas. Não sei como ela conseguiu trazer coisas pesadas e ainda assim fazer fluir. Algo que ainda não estamos muito acostumados e que só vi antes em Sangue no Olho (que livro!), é a não interrupção da narrativa para demarcar diálogos com travessões. A conversinha está ali, jogada no meio do texto e não, isso não quer dizer que não dá para entender nada. Acredito que seja mais uma questão de costume. Talvez seja meio complicadinho de início, mas comigo funcionou e eu passo bem.
Como eu disse lá em cima, talvez não seja para todo mundo, mas se mesmo assim, com todos os avisos, a obra te interessar, vai com fé. Acho que não dá para ficar indiferente lendo esse livro, se nada, nadinha, mexer com você, tem algo errado aí. Ah, e eu comentei que é literatura nacional? Romance de estréia da jornalista gaúcha Eliane Brum e já foi assim... Uma pessoa que começa na ficção desse jeito, o que esperar mais? EU QUERO MAIS POR FAVOR LANÇA ALGO!!