Autor: Lev Tolstói
Editora: Cosac Naify
Ano: 2015
Páginas: 96
Eu já tinha falado lá no post do Desafio Livrada 2016 que eu nunca tinha lido um russo na vida, e resolvi começar pelo Tolstói porque a) estava barato, b) era pequeno e c) vi que no meio da peça do Maiakovski ele bota uns poemas e fiquei meio cabreiro com isso. Não que eu não goste de poesia, mas me disseram que o autor de O Percevejo é um poeta meio maluco, que inventa umas formas malucas e tals. Contudo não é um post sobre a peça de teatro ainda e sim sobre Leão Tolstoi (em todos os livros o nome dele devia ser esse) e esse conto/novela da Cosac.
Então vamos à sinopse: Stepian Kassátic é um cabra que gosta de ser o melhor no que faz, e por isso se esforça com o máximo de afinco para conquistar coisas e abandoná-las logo depois. Nessa busca ele sobe de patentes continuamente no exército russo e logo depois passa a cortejar a garota mais desejada da alta sociedade. No entanto, descobre que a garota não era virgem e que o antigo namorado dela era nada menos que o seu chefe. Envergonhado, abandona tudo e resolve virar padre. Nessa brincadeira ele descobre que tem o incrível poder de curar as pessoas, e antes tendo virado ermitão para não ter mais contato com outras pessoas e comungar com Deus, agora fica cada vez mais famoso, e precisa lidar com a sua fé ante a isso.
A primeira coisa que chama a atenção quando você está lendo o livro é como Tolstói parece ser versátil na escrita, porque consegue passar rapidamente e consistentemente por décadas de vida do padre Sérgio (nome que ele adota quando vira padre) enquanto coisas como Anna Kariênina só foram possíveis tendo cuidado de certas minúcias e pormenores dentro do tempo da historia. Outro fator que sempre dá medo nas pessoas, mas não acontece aqui: a linguagem não é arcaica do tipo que, a cada cinco palavras, quatro você está lendo pela primeira vez na vida. A tradução deixa tudo bem mais acessível e fácil de ler do que no original.
Padre Sérgio é uma obra com umas coisas controversas. A começar pelo que se vê na sinopse, onde uma noiva é abandonada porque já teve relações sexuais com outro cara. É claro que isso devia ser normal na época, mas hoje em dia é algo meio absurdo, embora não duvide nada que alguém já tenha feito isso dos anos 2000 para cá. Mesmo assim não é nada para se tirar nota. Outra coisa muito presente na obra é a mulher como representação do mal, exceto uma. A maioria das mulheres aparece para ferir Sérgio ou para tentá-lo, e Sérgio toma reações exageradas quanto a essas situações.
Porém, o próprio padre é um personagem extremamente bem construído, você está sempre se perguntando se ele aceitou a religiosidade e a fé ou se continua sendo a sua vontade de ser o melhor falando mais alto. O personagem também se questiona muito se Deus realmente existe e se a Igreja está fazendo o certo, coisa que o Tolstói mais pretendia com essa novela: criticar a igreja ortodoxa vigente na Rússia. O que me dói realmente na obra, porém, é o final “meio” Deus Ex Maquina, que mesmo assim guarda seu duplo sentido e finaliza bem, mas eu odeio esse recurso e ainda fica estampado na cara o erro, mesmo que dando em algo bem feito.
Já falei aqui também sobre o projeto gráfico dessa coleção no post do Bruno Schulz, mas queria ressaltar que continua sendo o melhor projeto de uma coleção até hoje. Os textos finais são ótimos, sendo um deles uma carta aberta do próprio Tolstoi na época contra a igreja ortodoxa, que vale muito a pena ser lido. Assim como esse livro, claro.